Nenhum outro túmulo foi mais visitado em Brasília, no feriado de Finados, do que o de Ana Lídia Braga – uma criança de sete anos que foi sequestrada, torturada, estuprada e morta no dia 12 de setembro de 1973.
A tumba onde repousam os restos mortais da criança recebem diariamente flores, bonecas, balas, bichos de pelúcia e cartas de fiéis que acreditam na possibilidade de alcançar milagres cultuando-a como uma santa. Vítima de um dos crimes mais cruéis daquela década, Ana virou símbolo de fé, mistério e devoção.
O túmulo da criança é cuidado por dois jardineiros, pagos por um idoso que acredita ter alcançado uma graça depois de rogar a Ana Lídia. Além da história do idoso, há a de outras pessoas que creditam a ela o fato de ter se curado de uma doença, ter sido aprovado em um concurso ou de ter conseguido um emprego.
O crime contra Ana Lídia nunca foi esclarecido, embora haja suspeitos. O que se diz que ele foi abafado pelas autoridades na época da ditadura, que não teriam agido com o rigor necessário nas investigações. No dia 20 de maio de 1974, a Polícia Federal emitiu um comunicado para jornais e emissoras de rádio e TV proibindo referências sobre o caso.
No dia 11 de setembro de 1973, Ana foi deixada por um amigo dos pais em frente ao Colégio Madre Carmen Salles, na Asa Norte, em Brasília. Uma funcionária foi busca-la no fim da tarde foi informada de que Ana sequer havia entrado na escola.
Na época, um empregado da escola disse que viu a menina ser abordada por um homem alto, loiro, de cabelos compridos, que vestia uma blusa branca e uma calça verde-oliva, e que ele a teria levado embora.
Na mesma noite, horas depois do desaparecimento, a polícia foi contactada por um homem que dizia ter raptado a criança, exigindo o pagamento de um resgate no valor de 2 milhões de cruzeiros. No dia seguinte, chegou uma carta solicitando resgate de R$ 500 mil cruzeiros.
O corpo de Ana Lídia foi encontrado em um matagal perto da Universidade de Brasília (UnB). Ela estava nua, com os cabelos cortados de forma grosseira e rente ao couro cabeludo. A polícia encontrou camisinhas a poucos metros de distância, mas nunca houve uma análise criteriosa do material genético encontrado nos preservativos. Um exame cadavérico constatou que tinha havido um estupro.
Os suspeitos do crime são o irmão da menina, Álvaro Henrique Braga (que, junto à namorada, Gilma Varela de Albuquerque, teria vendido a menina a traficantes) e alguns filhos de políticos e importantes membros da alta sociedade brasiliense. Mas os culpados nunca foram apontados, e o caso Ana Lídia tornou-se mais um símbolo da impunidade durante a ditadura militar.
As investigações apontaram que Ana Lídia fora levada ao sítio do então Vice-Líder da Arena no Senado, Eurico Resende, em Sobradinho. Testemunhas disseram que à noite, Álvaro e a namorada saíram e deixaram a menina com Alfredo Buzaid Júnior, Eduardo Ribeiro Resende (filho do senador, dono do sítio) e Raimundo Lacerda Duque, conhecido traficante de drogas de Brasília. Quando voltaram ao sítio, encontraram Ana Lídia morta. Como o principal suspeito era o filho do então ministro da Justiça Alfredo Buzaid, uma controvérsia formou-se em torno do caso.
Depois de 13 anos da execução do crime, o processo foi reaberto por surgirem novidades sobre o assassinato. A repórter Mônica Teixeira, da Vídeo Abril, garantiu ter testemunhas que poderiam provar que o autor do crime era o filho do ex-Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, e que, apesar da imprensa ter noticiado que ele havia morrido num acidente, dois anos após o crime, Mônica garantiu que ele ainda estava vivo em 1985. Mais uma vez, fatos estranhos aconteceram: algumas das testemunhas simplesmente morreram após serem intimadas a depor e não foi imediatamente permitida a exumação do corpo, sendo o processo novamente fechado por suposta falta de provas.
Em 1986, após um ano do pedido inicial, a exumação do corpo de Alfredo Buzaid Júnior foi autorizada. Porém, por engano ou descuido da polícia, o corpo exumado foi o de Felício Buzaid, avô do acusado, falecido em 1966. Após uma segunda tentativa, um segundo cadáver, supostamente de Alfredo Buzaid Júnior, foi entregue ao IML. Por algum motivo não explicado, os dentes do cadáver estavam removidos, impossibilitando o reconhecimento por arcada dentária (não havia testes de DNA à época). Mesmo assim, em julho de 1986, o legista José Antônio Mello declarou que o corpo enterrado era realmente de Alfredo Buzaid Júnior.
Fonte: Mais Goiás











