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Morre Jards Macalé, cantor e compositor, aos 82 anos

O cantor e compositor Jards Macalé, de 82 anos, morreu nesta segunda-feira, 17 de novembro. A notícia foi confirmada pela família do compositor. O músico estava internado em hospital na Barra da Tijuca, zona sudoeste do Rio de Janeiro, tratando uma broncopneumonia. Ele sofreu uma parada cardíaca.

“Jards Macalé nos deixou hoje. Chegou a acordar de uma cirurgia cantando “Meu Nome é Gal”, com toda a energia e bom humor que sempre teve.

“Cante, cante, cante. É assim que sempre lembraremos do nosso mestre, professor e farol de liberdade. Agradecemos, desde já, o carinho, o amor e a admiração de todos. Em breve informaremos detalhes sobre o funeral”, diz a mensagem nas redes sociais do músico seguida por palavras do próprio Macalé: “Nessa soma de todas as coisas, o que sobra é a arte. Eu não quero mais ser moderno, quero ser eterno.”

Nascido em 3 de março de 1943 no tradicional bairro da Tijuca, na Zona Norte do Rio, Jards Anet da Silva cresceu em uma família em que a música era uma atividade cotidiana. Quando criança, tinha na vizinhança grandes nomes do rádio de sua época, como Vicente Celestino e Gilda de Abreu. E mesmo em casa tinha as valsas e modinhas frequentemente tocadas pela mãe, Lígia, ao piano, e pelo pai, que costumava empunhar seu acordeom durante as festas. E elas não eram poucas.

Morre Jards Macalé, cantor e compositor, aos 82 anos (Foto: Divulgação)

Não deu outra: o jovem Jards Macalé caiu no mundo da música. Começou os estudos como copista do maestro Severino Araújo, estudou com o maestro Guerra-Peixe e o violonista Turíbio Santos, encantou-se pela bossa nova, flertou, e depois brigou, com os tropicalistas e herdou o chapéu de Moreira da Silva, seu amigo e parceiro.

Na década de 60, depois de ter canções gravadas por Elizeth Cardoso (“Meu mundo é seu”) e Nara Leão (“Amo tanto”), substituiu o violonista Roberto Nascimento no Grupo Opinião e passou a ser muito requisitado para shows, como o “Arena conta Bahia”, e os primeiros de Maria Bethânia no Rio.

A família se mudou para Ipanema quando Jards ainda era adolescente. E foi nas areias da praia mais famosa do país que herdou o apelido de Macalé – tornando-se xará de um atleta botafoguense que era considerado um dos piores jogadores de futebol de sua época.

Macalé foi também um dos frequentadores mais assíduos das Dunas do Barato, em Ipanema, um espaço no qual, em plena ditadura, as moças faziam topless e fumava-se maconha livremente. Além de Macalé, Chacal, Waly Salomão, José Wilker, Jorge Salomão, Glauber Rocha e Caetano Veloso batiam ponto nas dunas, onde eram produzidos livros, músicas e peças.

Em artigo publicado em 2 de dezembro de 2007, Macalé definiu bem o local: “Naquele pedaço, nos deixavam fazer quase de tudo. No asfalto era outra coisa. Ai de quem bobeasse. Foi um tempo muito criativo. Boa parte da arte libertária, psicodélica, daquela época surgiu na areia. A gente ficava ali, bundeando o dia inteiro. A praia era nossa casa”

Por essas e outras, Jards logo se viu no meio do turbilhão de renovação musical pós-bossa nova.

Em 60 anos de carreira, fez um pouco de tudo, trafegando com desenvoltura pelas mais diversas áreas: música, cinema, televisão, teatro e artes plásticas. No cinema, por exemplo, atuou e fez trilha sonora em filme de Nelson Pereira dos Santos.

— Através da música, explorei outras vertentes: teatro, cinema, artes plásticas, literatura, trilha sonoras para exposições… Como ator, me vejo como um canastrão (risos). Bem, não exatamente um canastrão. Não sou um ator profissional, mas amador. Amador é aquele que ama. Ou quem ama a dor. A música me leva a tudo isso. E tudo isso sempre alimentou a minha música — disse ele.

Multiartista, compôs para exibições de Helio Oiticica, Xico Chaves e Lygia Clark.

Aplicado estudante de música na Pró Arte, ele logo se misturou à turma dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa – que, na mesma época, desembarcava no Rio para o sucesso. Descolou-se deles na Tropicália e foi sensação em 1969, no Festival Internacional da Canção, com a performática “Gotham City” (“Cuidado! Há um morcego na porta principal!”).

Morre Jards Macalé, cantor e compositor, aos 82 anos (Foto: Divulgação)

— “Gotham City”, agora eu posso dizer, foi um desagravo meu e do (poeta e letrista José Carlos ) Capinam à prisão de Caetano e Gil (pela ditadura militar ) — contou Macalé em 2021.

Parceiro de Waly Salomão e Vinicius de Moraes, produziu “Transa” (1972), obra-prima do período de Caetano Veloso no exílio, em Londres.

Jards contava que, antes de encontrar Caetano no exílio londrino, já havia sido foi gravado por Gal Costa (“Vapor barato”) e que, junto com a cantora, Capinam e Paulinho da Viola, fundou uma firma para empresariar artistas, a Tropicart.

— Havia a ideia bizarra que íamos salvar os restos da Tropicália na voz da Gal. Claro que fomos à falência!

Amante do Rio de Janeiro com todas suas manhas e manias, Macalé era também seu crítico.

— O Leme é uma espécie de subúrbio de Copacabana, é mais tranquilo, mais calmo. Aqui estou de frente para o morro, tem uma vegetação maravilhosa — disse ao GLOBO em em 2023, ao fazer 80 anos.

Na época, dizia que “o passado é tão complexo quanto o presente, mas parece que o Rio já foi menos estilhaçado do que é hoje”.

— Apesar da miséria toda, o carioca era mais amigável. Tem o Zé Keti cantando “pode me prender, pode me bater/ mas eu não mudo de opinião/ daqui do morro e não saio, não” (“Opinião”). Mas, a essa altura do campeonato, quem é que não quer sair do morro? Andar na rua hoje, desconfiando uns dos outros, é uma desgraça!

Macalé era também um grande gozador, brincalhão como bons cariocas de antigamente, o que transparece em suas entrevistas.

— Coleciono pipas de vários tipos, tamanhos e países. E sou um apaixonado pelo ilusionismo. A música também é uma forma de ilusionismo. Sempre adorei mágica, sou um mágico amador.

Em fevereiro de 2018, Macalé foi internado no Hospital Santa Cruz, em São Paulo, com broncopneumonia. Segundo reportagem do GLOBO, sua mulher, Rejane, disse que ele encarou tudo com muito bom humor, como em suas músicas. E até ligou para ela da ambulância:

— Ele me disse: “Amor, não se preocupe, eu estou numa ambulância, indo para o hospital, mas estou adorando. Escuta a sirene!” — contou ela. — Depois, me disse que estava gostando tanto que pediu para dar mais uma volta com ele no quarteirão. É bem a cara dele.

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Fonte: Mais Goiás

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